Era um dia frio
do mês de junho, de longe ele a olhava e muito embora não a conhecesse sentia
seu coração sincronizar-se ao dela naquele pranto matutino, seus olhos
brilhavam e faltavam poucos graus para que suas lagrimas petrificassem antes
mesmo de chegarem ao queixo. Mas as lagrimas não perdiam muito calor pois a fumaça
que evaporava do chocolate quente da moça não permitia, com a xícara próximo ao seus lábios,
virava o rosto inclinando a cabeça, apertava as pálpebras ou olhava o vazio
balançando a cabeça, enquanto ele corria a vista para aquele rostinho meigo sem perceber, o jornal que ele olhava sumiu de sua frente diante daquela cena.
Os demais
clientes do café preferiram assentar-se dentro da loja aquecida para
proteger-se do frio e mesmo com leve vento que acrescentava a sensação de
alguns graus a mais, a moça não se movia da mesa externa.
Como nenhum
outro dia, aquele momento sob aquelas circunstancias poderia parecer uma um
presente do destino, afinal, não era um dia qualquer, era dia dos namorados e
por nenhum outro motivo o executivo sairia em plena quinta feira de um
expediente normal, para comprar jornal se não fosse pela inspeção do corpo de
bombeiros que exigiu o esvaziamento do prédio depois de um tremor suspeito.
Sem imaginar o
porque de seu sofrimento se aproximou da donzela.
– Espera alguém? Perguntou-a com a
primeira frase que veio à cabeça, com as mãos pronto a para puxar a cadeira.
Reclinando a
cabeça para esconder suas lagrimas a moça respondeu-o prontamente.
– Por favor deixe-me sozinha.
– Desculpe minha indiscrição, mas não pude
deixar de notar, como pode uma moça tão linda em pleno dia dos namorados nesta
lamúria tão triste? Tamanha graciosidade –continuou– nunca deveria estar neste
frio tão solitária. Por favor deixe-me sentar, quem sabe posso ajudá-la?
Com as mãos envolvidas no calor da xícara,
respondeu-o com voz baixa.
– Você não pode me ajudar. –Correu seus
olhos rapidamente sobre o rapaz que a observava compadecido.
Já sentando-se ele insistia.
– Logo os bombeiros terminarão o trabalho
que estão fazendo no prédio em que trabalho, eu vou ter que voltar, não sei se
você vem aqui todos os dias, mas esta é a primeira vez que venho neste café,
normalmente peço para ,minha secretária buscar algo para mim, então
provavelmente não nos veremos novamente, se quiser, desabafe, vai lhe ajudar.
Enxugando o rosto ela sentiu-se melhor com o
empresário que a olhava interessado em conhecer sua dor.
– Obrigado, normalmente as pessoas não olham
para os lados, principalmente para alguém chorando.
– Mas eu olhei, aliaz não há como não notar
uma moça tão linda como você.
– Você está tentando me confortar...
– Eu garanto que não, melhor dizendo, de
certa forma sim, mas você é realmente vislumbraste!
Soltou a garota um sorriso pequeno. E o
rapaz continuou.
– A propósito, João Paulo. Estendeu a mão
para comprimenta-la.
– Karine.
– Muito prazer Karine, conte-me, o que te
faz tão triste?
– Esse deveria ser um dia muito especial pra
mim...
– E por que não está sendo? Não agüentava o
homem de curiosidade.
–Era agosto, e minha família tinha ido passar
uns dias na fazenda de um colega, meu pai estava de férias e como não podíamos
viajar por causa de minhas aulas e de minha mãe que também trabalhava, faltei
uns três dias na escola e minha mãe pediu um pequeno recesso, foi apenas uma semana, mas o suficiente pra
tudo começar...
– Foi aqui mesmo? Interrompeu ele.
–Não, em Goiás.
– A sim, continue.
– A fazenda era linda, tinha uma plantação
de ipês-amarelos muito grande e estava na época da floração, como eram uma
família tradicional, as arvores plantadas por seu avô ainda jovem eram um
patrimônio a mais da fazenda, a paisagem toda amarela era como estar num mar de
ouro pintado pelo criador. Nos fundos passava um rio de água cristalina, era um
verdadeiro paraíso, podiam-se ver os peixes por sobre as pedras e alguns galhos
que caíram na água. Por volta das dezoito horas, meus resolvemos ir pescar, eu
já conhecia o filho dos donos de vista, mas ainda não tinha conversado. Ao
chegarmos no riacho ele me convidou a segui-lo pois queria me mostrar algo,
subimos um pouco, eu ainda não tinha visto, então ele me levou a cachoeira, não
era muito grande, tinha apenas uns três metros de altura e uns dois de largura,
com algumas falhas entre elas, foi engraçado, ele me perguntou-me se já tinha
visto algo assim, eu respondi que não, “não existe isso na selva de pedras onde
eu moro”, ele sorriu, e não demorou muito para que começasse a gostar dele, mas
não aconteceu nada, então completou-se o tempo de nossa estadia e tivemos que
voltar, tentava não pensar mas era impossível, aquele Oasis no ano em que a
escola estava mais difícil, já concluindo o ensino médio, lembrar das férias
improvisadas era lembrar dele também e pra minha surpresa depois de uma semana
que voltamos ele ligou para falar comigo, e assim ficamos conversando pelo
telefone, ele mandava presentes, certa vez chegou até a comprar flores naturais
através de um site que tinha sede aqui na cidade, e o tempo foi passando, e
quando completavam-se nove meses que conversávamos ele veio me visitar, eu não
acreditei quando o vi, estava na faculdade e era intervalo, de repente, minhas
amigas levantaram-se e me deixaram sozinhas na mesa, não entendi nada até que
um garçom se aproximou e entregou-me um bilhete, ao abrir fiquei mais pasmada
ainda, era um pedido de namoro, olhei para os ladas não via ninguém quando me virei
rumo a porta, lá estava ele, com um buque nas mãos e vindo em minha direção,
não tinha quem não olhasse, foi incrível, então começamos a namorar, ele
mudou-se pra cá e transferiu a matricula da universidade, pra resumir a estória
nos apaixonamos, ele não foi meu primeiro namorado mas foi o que mais marcou,
não ficávamos um dia sem nos ver, quando ele estava muito ocupado, apenas o via
quando passava para me levar a faculdade, mas o final de semana já tinha programação,
nós dois juntos, não tinha o que não quisesse que ele não buscasse para me dar
ou me presenteasse, nossos gostos mais pareciam um cardápio, com as mesmas
receitas e mesmas singularidades. Então, a cerca de um ano atrás, no aniversário
de nosso namoro ele pediu-me em casamento, mas eu não preciso nem dizer qual
foi minha resposta.
– Não mesmo. Disse o rapaz envolvido na
estória.
– Tudo começou quando decidimos construir
nossa casa, eu tinha pensado num modelo, e inclusive paguei o arquiteto para desenhar
a planta, não queria obriga-lo, apenas levei minha idéia, mas a rusticidade
dele parecia não condizer com a pessoa que havia conhecido a três anos antes.
Desde então, ele não mais me tratava da mesma forma, pereceu mudar tanto que
nem das mesmas coisas ele gostava mais. Restavam um mês para nosso casamento,
quando marcamos, pensamos em programar para hoje mas a casa não estaria pronta
a tempo e adiamos em um mês. Hoje cedinho não agüentei esperá-lo e resolvi
ligar, mas não atendia, peguei meu carro e resolvi fazer surpresa pra ele, fui
até seu apartamento estacionei meu carro, e fui até a portaria falar para o
porteiro que não avisasse a ele, eu estava com seu presente na mão mas nem
ligaria se ele não tivesse comprado ainda, foi aí que meu mundo desabou, ao
avisar o porteiro tive a chocante notícia; “Ele disse que estava saindo de
viagem e voltaria dentro de dois ou três dias”. E não acreditava no que tinha
ouvido, não era só o dia dos namorados, era o aniverssário de dois anos de
namoro, e ele tinha viajado sem sequer avisar. Minha vontade era jogar aqule
presente no lixo na mesma hora, mas me agüentei, quem sabe poderia ser alguma
coisa com sua família, então tentei ligar para ele mais uma vez já no carro,
ele atendeu dessa vez, deu-me bom dia e perguntou por que ligava tão cedo, era
por volta das seis e trinta da manhã, eu fiquei sem resposta, ele me chamou
novamente pelo nome mas desliguei e comecei a chorar, não podia acreditar que
ele esquecera de um dia tão especial. Ele ligou-me de volta, mas eu desabei,
falei o quanto estava chateada, mas foi pior, ao invés de se desculpar me disse
que tinha coisas mais graves pra resolver do que o dia dos namorados, ou seja,
não se lembrava de nosso aniversário, uma das fazendas de seus pais pareciam
ter incendiado e eu o compreendo, mas tratar nossa relação dessa forma não
tinha sentido? Eu não suportei e rompi com ele mesmo por telefone, e agora
estou aqui chorando, feito uma boba contando esta estória para um cara que nem
conheço e tomando um chocolate que em nada muda minha situação. – Voltando a
chorar ela fechou os olhos e continuou–
Desculpe, se me prolonguei, você já deve estar enjoado.
– Você não precisa, se desculpar, sabe
Karine, o amor é um mistério, principalmente o amor de namorados, na verdade é
quase um jogo, você começa sem saber direito se vai ganhar ou perder, é uma
aposta cara cujo preço só o coração sabe o valor, as vezes não sabemos jogar e
pensamos que o blefe é a solução para conseguirmos o que queremos, o problema
desse jogo é que isso custa quase tudo o que o outro jogador tem. E sabe o que
é pior, nem sempre sabemos que estamos blefando, ou melhor, não sabemos que
custará tão cara uma coisa que parecia tão simples, e no final os dois vão sair
perdendo. Não foi só você que apostou nesse jogo, ele também apostou, não posso
dizer que você não tenha blefado também, mas logo vê-se que quem fez o maio
blefe foi ele. No começo das apostas ele apostou o que não tinha para vencer, depois
e você aceitou a aposta, ele não conseguiu sustentar pois não se dá o que não tem.
– Eu não estou entendo o que você está
querendo me dizer – replicou a moça confusa fitando o executivo.
– Você não deve chorar, pelo contrário deve
ficar feliz, sei que frustrou suas expectativas sobre seus planos e sobre ele,
mas perceba que se vocês tivessem casado seria pior, o que normalmente
acontece. O homem ou mesmo a mulher na hora da conquista mentem e criam
situações que em nada representa o que eles são realmente, para poder
conquistar o amor e como eu disse anteriormente as vezes nem percebem o perigo
de se jogar assim, talvez ele não tenha feito por intenção, mas essa cara
metade que você conheceu não era realmente ele, isso fica difícil medir, a que
ponto foi original ou astuto.
– Eu não acredito que ele era tão estúpido como
vinha me tratando. Ele mudou, não é possível que tenha sido tão falso. –Karine
negava-se em acreditar que fosse assim.
– Talvez o nome dado a isso seja um amor platônico,
em que você via nele algo que ele não era e ele fazia o possível apara ser
aquilo que você desejava, e mais uma vez repito talvez não haja má intenção
nele, ele se esforçou, mas a cada vez que ele negava-se, jogava um pouco de “entulho”,
até que seu “paiol” não suportou mais. Pode ser que exista algo a mais, mas
quase sempre isso acontece, não trata-se tudo de você mas dele, depois de um
tempo, tudo aquilo que ele tinha negado de ser, voltou-se como raiva, ele podia
ter sido mais original, mas talvez você não gostasse dele, me responda, você
gostaria de um namorado estúpido?
– É lógico que não.
– Aí
é que está o xis da questão, não existe alguém que seja tão perfeito assim, mas
ele provavelmente deduziu que você não suportaria, lembrando que isso é só uma
suposição, não sei se esse é o real motivo dele ser assim, mas em partes isso é
inegável, todos fantasiamos um pouco para agradar o outro, até que esse “paiol”
não agüenta mais tanta negação, e ele passou tanto tempo sem trabalhar-se sobre
quem ele realmente era que ele não cresceu neste período, ele talvez tenha
aprendido que quem ele era não era bom.
– Entendo, você acha então que não existe
mais chance entre nós dois, porquê, francamente, se ele realmente é assim, pra
mim chega.
– Ele não é nem só bom nem só ruim, o que
aconteceu com ele e talvez com você também, é que vocês dois frustraram vocês
mesmo em busca de serem pessoas ideais, você precisa ver que existem defeitos e
falhas nele, também existem em você de outra forma, o fato de ele ter estresse
por algum motivo, não significa que ele precisa descontar em você. E agora
linda, você amadureceu mais, sabe que ele tem defeitos, pode melhorar em muita
coisa, como dar mais atenção a você e pensar na dinâmica de uma vida a dois,
assim como você precisa perceber que existem defeitos em você que talvez ele
não suporte, os dois precisam melhorar mas cientes de que não vivem num conto
de fadas.
– Eu não tinha pensado dessa forma, então
mas é difícil pensar nele assim.
– Nesse jogo Karine, você tem quatro opções,
ou você aposta e corre o risco de ser feliz com ele, sem blefar, mas com
dificuldades, ou você aposta blefando e perde uma hora o jogo, ou você não joga
e fica como está, feliz ou não, ou então parte pra outro jogo, mas te advirto
uma coisa, em outro jogo você vai correr os mesmos riscos, e mesmo que ninguém blefe,
o jogo terá altos e baixos. Pois não existe alguém tão perfeito assim, se está
perfeito talvez falte sinceridade. O jogo perfeito neste caso é aquele que
todos sabem que nenhum dos jogadores é tão bom assim, mas aceitam jogar com ele
porque no final todos saíram ganhando.
– Você falou tanta coisa que nem sei se
conseguirei lembrar.
–Talvez não se lembre, mas esse jogo quem
faz as regras são vocês mesmos, o importante é que haja sinceridade.
Depois da longa conversa com o rapaz, a moça
não mais chorava, mas ficou admirada com a dedicação do rapaz em ajudá-la assim
como sua disposição em ser sincero.
Depois de muito diálogo, ela decidiu romper
definitivamente com o rapaz, pois percebeu que na verdade o casamento não era
prioridade para ele, nem ela estava disposta a deixar seus estudo ou a cidade
para morar na fazenda com ele, afinal não tinham casado e essa renúncia não
acreditava que valeria apena pela forma que já andava a relação dos dois.
Então o café passou a se tornar um dos
lugares preferidos para ela, já o empresário não mandava mais sua secretária
buscar o que comer, ele mesmo descia e quando não os dois almoçavam juntos.
Essa estória não tem final aqui, mas os
agora namorados sonham em se casar, num jogo sincero, de parceria, diálogo,
respeito, compreensão e crescimento mútuo.
E pra você que hoje namora ou sonha em
encontrar alguém para dividir seus sonhos, um feliz dia dos namorados, e um jogo honesto e sincero!!!